Não julgueis

Texto Bíblico em Foco: Mateus 7.1-6
Não julgueis, para que não sejais julgados. Pois, com o critério com que julgardes, sereis julgados; e, com a medida com que tiverdes medido, vos medirão também. Por que vês tu o argueiro no olho de teu irmão, porém não reparas na trave que está no teu próprio? Ou como dirás a teu irmão: Deixa- -me tirar o argueiro do teu olho, quando tens a trave no teu? Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu olho e, então, verás claramente para tirar o argueiro do olho de teu irmão. Não deis aos cães o que é santo, nem lanceis ante os porcos as vossas pérolas, para que não as pisem com os pés e, voltando-se, vos dilacerem.
Quase todas as pessoas, cristãs ou não, sabem que estas palavras estão na Bíblia: “Não julgueis, para que não sejais julgados” (v. 1). A cultura em que vivemos afirma que todos têm o direito de fazer o que têm vontade, e, por isso, este versículo é citado sempre que a igreja faz um pronunciamento contra alguma forma de conduta pecaminosa.
Anos atrás, uma irmã da igreja trouxe o filho com problemas para falar comigo. O jovem usava drogas e tinha um estilo de vida desenfreado. Sua raiva ficou logo evidente para mim, e eu lhe perguntei com quem ele estava bravo.
— Estou bravo com a minha mãe. — disse ele.
— O que ela fez para te deixar tão bravo? — perguntei.
— Bem, ela é religiosa e tenta enfiar religião pela minha goela o tempo todo.
Perguntei-lhe:

— Qual é a ética da sua vida?
Ele disse:
— Eu acredito que as pessoas têm o direito de fazer o que quiserem.
— Bem, — disse eu — se esse é o caso, por que você está bravo com a sua mãe? E se o barato dela for enfiar religião goela abaixo das pessoas?
Nesse momento, ele começou a rir. Eu disse:
— Se você se apresentasse a mim como cristão e explicasse que está passando por momentos difíceis com a sua mãe porque ela é crítica, intolerante e ríspida, eu estaria disposto a marcar um horário com ela em seu favor; mas, segundo a sua ética, você não tem nada do que reclamar.
 
1. Julgamento certo

A história do rapaz incomodado ilustra a inconsistência da ética relativista do mundo atual e também o fato de que esta conhecida passagem, Mateus 7.1, é uma dos textos menos compreendidos das Escrituras. Em primeiro lugar, o alerta que Jesus dá - “Não julgueis, para que não sejais julgados” - é direcionado às relações entre cristãos. Em segundo lugar, o que está em vista quanto ao conceito de julgar não é o julgamento de discernimento.

À luz da lei de Deus, somos chamados a avaliar o comportamento humano e determinar, ou discernir, se ele é bom ou mal, mas o que está em questão aqui não é esse tipo de julgamento. Em vez disso, é o julgamento de condenação. A palavra utilizada no texto é emprestada do vocabulário jurídico da época, e tem a ver com o movimento do martelo quando o juiz decreta a sentença de punição. Este é o julgamento de condenação. Logo, poderíamos interpretar as palavras de Jesus da seguinte maneira: “Não condeneis, para que não sejais condenados.”

João, em seu Evangelho, fornece o relato da mulher flagrada em adultério. Os fariseus deixaram o transgressor livre, mas arrastaram a mulher em vergonha e humilhação até Jesus. Eles não estavam à procura de um julgamento legítimo; estavam usando a oportunidade para pegar Jesus em uma cilada. Eles lhe perguntaram: “E na lei nos mandou Moisés que tais mulheres sejam apedrejadas; tu, pois, que dizes?” (Jo 8.5).

Durante a ocupação romana, os judeus haviam sido proibidos de exercer a pena capital, mas, de acordo com a lei de Moisés, o apedrejamento era a pena por adultério. Portanto, Jesus estava entre a foice o martelo. Muitos não percebem que ele escolheu entre Moisés e César: ele escolheu Moisés. Jesus ajoelhou-se e começou a escrever na areia com o dedo. A Bíblia não nos diz o que ele escreveu, mas o meu palpite é que ele começou a listar os pecados dos acusadores da mulher. Em seguida, levantou-se e disse: “Aquele que dentre vós acusadores da mulher foram embora, deixando Jesus a sós com ela.

Nesse momento, ele lhe fez uma pergunta: “Mulher, onde estão aqueles teus acusadores? Ninguém te condenou?” Ela respondeu: “Ninguém, Senhor!”, e Jesus disse: “Nem eu tampouco te condeno; vai e não peques mais” (v. 10-11). Jesus era o único homem ali que não tinha pecado e, por- tanto, o único que tinha o direito de apedrejá-la. Todavia, em vez de exercer justiça, ele mostrou misericórdia e benignidade - e o fez sem repudiar a lei contra o adultério. Jesus executou o julgamento do discernimento. Ele reconheceu o pecado da mulher, mas, mesmo assim, concedeu-lhe perdão.

O que define a vida do cristão é o perdão. De todas as pessoas neste mundo, nós somos as que menos têm o direito de julgar, ser ríspidas ou criticar. Os indivíduos com espírito crítico estão sempre implicando com algo. Eles não ficam satisfeitos a menos que estejam infelizes e criticando algo ou alguém.

Jesus não está defendendo uma cosmovisão polianista aqui em Mateus. Embora haja pessoas impossibilitadas de olhar para as coisas sem encontrar alguma falha, há também aquelas que contemplam o mundo através de lentes cor-de-rosa. Jesus está se manifestando contra o julgamento cruel de pessoas. Ele não está pedindo que seu povo seja ingênuo; ele está pedindo que se faça um julgamento de caridade. Como cristãos, somos aqueles que se apressam em mostrar misericórdia e que demoram a condenar.


Um pastor que conheci anos atrás afirmava que não existe ressurreição dos mortos e que quem acredita nisso é tolo. Quando verbalizei meu pesar diante de tal afirmação, alguém me disse: “Esse irmão querido não pensa assim de verdade. Ele está apenas tentando fazer você refletir.” A pessoa simplesmente não conseguia pensar mal do homem, e é isso o que devemos ser: indulgentes diante de uma falha. Fazer um julgamento de caridade significa interpretar as ações das outras pessoas, especialmente as ações voltadas a nós, da melhor maneira possível.

2. Julgamento errado

O julgamento da condenação faz exatamente o oposto. Ele interpreta as ações e motivações das pessoas da pior forma possível. Jesus chama a atenção à nossa tendência de aplicar o julgamento da caridade a nós mesmos, mas não aos outros. Nós interpretamos nossas falhas e nossos pecados da melhor maneira possível. Na maioria das vezes, nem sequer chamamos nosso pecado de “pecado”; fazemos referência a “enganos” e “más decisões”. Nunca devemos julgar as razões do próximo, pois não temos como descobrir seus motivos. Podemos observar o que foi feito e avaliar se a ação foi boa ou ruim, mas só Deus conhece a motivação por trás dela.

O argumento de Jesus é que nada divide a igreja com mais rapidez do que a ação daqueles que julgam duramente os demais. Ele está falando aqui de irmãos e irmãs em Cristo: “Por que vês tu o argueiro no olho de teu irmão, porém não reparas na trave que está no teu próprio? Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o argueiro do teu olho, quando tens a trave no teu? Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu olho e, então, verás clara- mente para tirar o argueiro do olho de teu irmão” (v. 3-5). Jesus faz uso de uma hipérbole para explicar o assunto. Os dois objetos que utiliza para fazer o contraste radical em questão eram encontrados nas carpintarias da época. Os carpinteiros construíam casas, e muita força lhes era necessária para carregar as grandes vigas de madeira usadas na construção dos tetos. A palavra traduzida como “trave” refere-se a uma daquelas toras ou vigas imensas. Em contraste com esta viga, temos uma partícula de serragem. O argumento de Jesus é que um indivíduo cujos olhos estão cobertos por uma viga maciça não pode enxergar os outros com clareza. Ele está dizendo que, embora cada um de nós seja culpado de grandes pecados e falhas, com muita facilidade apontamos para uma minúscula mancha na vida do próximo.

Uma das razões por que voltamos a atenção para o argueiro no olho do próximo é para desviá-la da trave em nosso próprio olho. Quando temos toras nos olhos, consideramo-nas como simples farpas. Quando vemos farpas nos olhos dos outros, enxergamo-nas como toras. E assim que o pecado destrói as relações humanas e a comunidade, e é por isso que Jesus nos alerta a ter cuidado. Se adotarmos um espírito julgador em relação aos outros, aquilo que vai volta, e seremos julgados também.

3. Julgamento ponderado

Jesus faz distinção, em seus ensinos e em todo o Novo Testamento, entre aquilo que chamamos de pecados graves ou hediondos e aquilo que chamamos de ofensas menores ou pecadinhos. Somos chamados a demonstrar o tipo de amor que encobre uma multidão de pecados. Encobrir um grande pecado é sério, mas, se não estivermos considerando um pecado hediondo que afeta toda a igreja ou a comunidade, devemos encobrir uns aos outros com esse amor. Se eu notar um argueiro no olho de um irmão, devo encobri-lo em minha alma com amor. Se um irmão notar um argueiro em meu olho, deve fazer o mesmo. Não devemos destruir o corpo de Cristo por causa de serragem, e é este o argumento de Jesus aqui.

O restante da passagem apresenta uma ironia, pois, a fim de obedecê-la, devemos exercer julgamento - não o julgamento de condenação, mas o julgamento de discernimento. Nosso Senhor acabou de dizer: “Não julgueis, para que não sejais julgados”. Em seguida, conclui o discurso dizendo: “Não deis aos cães o que é santo, nem lanceis ante os porcos as vossas pérolas, para que não as pisem com os pés e, voltando-se, vos dilacerem” (v. 6). Para obedecer esta declaração, temos de, em primeiro lugar, ser capazes de discernir entre o que é santo e o que não é.

Os cães em Israel não eram animais de estimação fofos e dóceis. Eles eram animais desprezados que se alimentavam de restos e equivaliam a porcos no chiqueiro. Jesus está instruindo as pessoas a ter o bom senso de não oferecer coisas sagradas aos cães. Quem são estes cães? São indivíduos que se dedicam a odiar o reino de Deus. Jesus não nos aconselha a odiá-los. Quando despediu os discípulos à sua missão, ele disse: “E, em qualquer cidade ou povoado em que entrardes, indagai quem neles é digno; e aí ficai até vos retirardes. Ao entrardes na casa, saudai-a; se, com efeito, a casa for digna, venha sobre ela a vossa paz; se, porém, não o for, tome para vós outros a vossa paz. Se alguém não vos receber, nem ouvir as vossas palavras, ao sairdes daquela casa ou daquela cidade, sacudi o pó dos vossos pés” (Mt 10.11-14). Embora seja correto nos importarmos com aqueles que são hostis ao reino, não devemos gastar todo o nosso tempo oferecendo-lhes coisas santas.

Paulo foi à colina de Marte, ao centro cultural de Atenas, e envolveu-se em uma discussão com os filósofos. Quando terminou, alguns aceitaram o que ele dissera, outros zombaram dele, e outros, ainda, queriam ouvir mais. Àqueles que responderam, Paulo ofereceu todo o tempo do mundo; àqueles que queriam ouvir mais, ele falou e respondeu todas as perguntas possíveis; mas, àqueles que se recusaram abjetamente a ouvir o evangelho, ele não destinou mais tempo algum. Paulo entregou-os a Deus. Talvez ouvissem a verdade em outro momento de outra pessoa.

Em Mateus 7, Jesus faz um alerta. Ele nos concedeu uma pérola de grande valor, e nós não devemos tomar esta joia valiosa e lançá-la aos porcos. O porco, em meio a sua lavagem, não tem apreço pelo valor da pérola. Pelo contrário, ele acha que a bolota vale mais do que ela.

Mais uma vez, Jesus não está dizendo que devemos adotar uma atitude ríspida em relação ao incrédulo. Ele quer apenas que tenhamos discerni- mento na proclamação do evangelho. Devemos discernir a mente e, ao mesmo tempo, não julgar duramente com o coração. E a isso que somos chamados - um chamado, de fato, bem sério.
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